quarta-feira, 20 de maio de 2009

"EU SEI, MAS NÃO DEVIA" - Marina Colasanti

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Amigos:
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Um belo texto, para nossa reflexão!
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EU SEI, MAS NÃO DEVIA
Marina Colasanti
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Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se a costuma a morar
em apartamento
de fundos e a não ter outra vista
que não seja as janelas ao redor.
E porque não tem vista,
logo se acostuma
a não olhar para fora.
E porque não olha para fora,
logo se acostuma
a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas,
logo se acostuma
a acender mais cedo a luz.
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E porque à medida que se acostuma,
esquece o sol, esquece o ar,
esquece a amplidão.
A gente se acostuma
a acordar de manhã,
sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo
porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus
porque não pode
perder o tempo da viagem.
A comer sanduíches porque já é noite.
A cochilar no ônibus
porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado
sem ter vivido o dia.
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A gente se acostuma a abrir o
jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra,
aceita os mortos
e que haja números
para os mortos.
E aceitando os números,
aceita não acreditar
nas negociações de paz.
E aceitando as negociações de paz,
aceita ler todo dia de guerra,
dos números da longa duração.
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A gente se acostuma
a esperar o dia inteiro
e ouvir no telefone:
hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas
sem receber
um sorriso de volta.
A ser ignorado
quando precisava tanto ser visto.
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A gente se acostuma a pagar
por tudo o que necessita.
E a lutar para ganhar dinheiro
com que se paga.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais
do que as coisas valem.
E a saber que cada vez
pagará mais.
E a procura de mais trabalho
para ganhar mais dinheiro,
para ter com o que pagar
nas filas em que se cobra.
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A gente se acostuma
a andar na rua e ver cartazes,
a abrir as revistas
e ver anúncios.
A ligar a televisão
e assistir a comerciais.
A ir ao cinema,
a engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido,
desnorteado,
lançado na infindável
catarata dos produtos.
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A gente se acostuma a poluir.
À luz artificial
de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos
levam na luz natural.
Às besteiras das músicas,
as besteiras da água potável.
À contaminação da água do mar.
À luta.
À lenta morte dos rios.
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E se acostuma
a não ouvir os passarinhos,
a não colher frutas no pé,
a não ter sequer
uma planta.
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A gente se acostuma
a coisas demais,
para não sofrer.
Em doses pequenas,
tentando não perceber,
vai afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali,
uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio,
a gente senta na primeira fila
e torce o pescoço.
Se a praia está contaminada,
a gente só molha os pés
e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro,
a gente se consola pensando
no fim de semana.
E se o fim de semana
não há muito o que fazer,
a gente vai dormir cedo
e ainda satisfeito porque
tem sono atrasado.
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A gente se acostuma para
não ralar na aspereza,
para preservar a pele.
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Se acostuma para evitar feridas,
sangramentos,
para esquivar-se da faca
e da baioneta,
para poupar o peito.
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A gente se acostuma para
poupar a vida.
Que aos poucos se gasta,
e que,
de tanto acostumar,
se perde de si mesma.
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Abraço Fraterno!
CHRISTINA ANTUNES FREITAS

2 comentários:

Mônica Reis. disse...

Passando para ler o blog e aproveitando para deixar um abraço grande, forte !

CHRISTINA ANTUNES FREITAS disse...

Mônica:
Abraço recebido com alegria, e abraço retribuído!

CHRISTINA ANTUNES FREITAS