Mimi!!!
Meu amor...
Estou em seu quarto! Abastecendo minhas energias, revirando seu armário, sentindo seu perfume...
Experimentando uma imensa saudade, e ao mesmo tempo percebendo de alguma forma a sua energia!
Cada peça que toco - entre roupas e objetos pessoais - relembro cada festa que sempre era esperada com ansiedade. Seu andar pela casa com o toc toc dos saltos, sempre muito altos .
Não deixei em nenhum momento até hoje de lembrar claramente sua voz, sua risada gostosa, e hoje - remexendo seu armário - pareço escutar sua gargalhada e rever seu jeito engraçado ao perguntar:
-"Fiquei bem, mãe?"
Depois de minha afirmativa, você sempre completava com irreverência:
-" Ah! Meu nome é Camila, não é Bagunça, não!".
Quanto abri a gaveta de suas roupas brancas usadas normalmente na Faculdade e no Estágio, resolvi apanhar logo seu Jaleco no armário. Pude vê-la sorrindo com suas bolsas enormes, livros e sua eterna satisfação ao saber que ia encontrar o paciente Sr. Tal, que sempre lhe entregava gentilmente uma bala ou um docinho.
Lembrei da jovem que fazia tratamento de Fisioterapia e era portadora de Síndrome de Down, que confundia você Camila, com a personagem de novela protagonizada pela Carolina Dickmann que também se chamava: Camila. Esta moça gostava muito de você Mimi, e sei do seu grande carinho por ela e por sua acompanhante! Guardo em seu armário o presente que ela carinhosamente te entregou no final do ano, perto do Natal.
Ri e chorei ao lembrar que você vinha comendo no carro, no trajeto da Faculdade ao Estágio, em uma improvisada “marmita”. Haviam dias de horários apertados! Que correria Mimi!!! Você saía da Faculdade rapidamente, e ao entrar no carro já pegava a tal “marmitinha”, pois sua fome meu amor sempre foi grande, apesar de seus flutuantes 48/49 kilos.
Relembrei com tanta saudade, você saindo ainda de jaleco do CFRPMERJ, junto as suas colegas que sempre pegavam uma carona, pois a condução já passava cheia no horário!
Cheguei a ouvir o burburinho que vocês faziam juntas, na curta carona. Constatei como você foi feliz neste Centro de Fisioterapia e Reabilitação, apesar de encarar quase que diariamente as dores físicas e emocionais de pacientes.
Lá no CRFPMERJ vi você minha menina, se tornar uma moça madura completamente ciente das dificuldades dos pacientes, tanto na parte Fisioterápica quanto na parte emocional e financeira...
Os obstáculos já são grandes para os Policiais em atividade, quanto mais para aqueles que de alguma forma estão inabilitados ao trabalho, uma vez que a maioria dos Policiais complementa o parco salário, com o tal "bico".
Esses Policiais Militares em tratamento, muitas vezes presos em uma cadeira de rodas, ficam impossibilitados de sustentar com um mínimo de dignidade a família, comprar remédios, e dessa forma manter esperanças de cura ou melhora. Isso Mimi, sei quanto a machucava!
Nas caronas, havia sempre uma derrota ou uma vantagem a contar. E tudo com muito humor.
Hoje abri uma sacola enorme com suas sapatilhas de Ballet, com suas meias, seus colants... Agora me dou conta da quantidade de meias de Ballet que há na tal sacola. Algumas estão ainda nas embalagens.
Umas seis sapatilhas de ponta (a maioria bem usada e somente uma praticamente nova) , e muitas sapatilhas de meia ponta, sapatos de Jazz, sapateado... Há aquela "botinha" de Jazz, que confesso, cheguei a calçar...
Piração minha Mimi, mas senti a sensação de estar junto aos seus pés...
Não sei por que, mas foi diferente de calçar seus sapatos. Pode ser que eu esteja emocionada demais ao colocar sua botinha. Naturalmente me remeti aos seus incansáveis ensaios e aulas.
Você - minha linda bailarina - com suas limitações (sua perna não era tão alta, e por conta disso fazia incansáveis aulas de alongamento), sempre me encantando com sua persistência e aplicação!
Camila; sua ponta era bonita e seus braços e postura sempre foram ressaltados pelos Professores. Existia, certamente, mais graciosidade em você do que uma técnica altamente apurada. E como dizia uma Professora de Ballet Clássico: você seria um ótimo “Corpo de Baile”, pois era aplicada!
Ihhhhh! Tá bom! Não era unanimidade !!!!!! Mas alguns professores gostavam muito de ter você nas coreografias.
Tudo bem que o Prof. da Dança Espanhola nunca foi seu fã, mas fico me perguntando se você não arrumou algum “probleminha” com ele. Sei não... Mimi ??? Hummm...
Claro que tenho noção que - apesar dele ser um ótimo profissional - o Professor sempre manteve um “ar arrogante” com alunas “não eleitas” por ele. E você Mimi, não era tão santinha... Deve ter aprontado!
Sentei ao chão e fui revendo suas bijouterias - das mais infantis às mais elaboradas - seus perfumes... Adicionei a eles, o meu “Calandre” que você pela manhã colocava, acreditando que eu estava dormindo... Quando eu a chamava, você gritava da porta: - “Beijos, Tô atrasada! Perdeu!”. E saía rindo, alegremente às 6 horas da manhã!
Sabe meu amor, necessito desses momentos... Sinto-me acalentada. É como estar vendo o cenário e figurinos de sua vida. Cada peça que toco, uma história relembrada, sempre com alegria.
Tenho certeza Mimi, que nossa vida familiar tão boa, nossa cumplicidade que sempre foi grande, e principalmente o amor grandioso entre nós, faz cada dia eu pensar em você e agradecer à Deus, por haver me proporcionado a felicidade de tê-la como filha. Apesar da felicidade, tenho uma saudade imensa. A cada minuto aumentando...
Claro que você já notou que ando conseguindo trocar o desespero por recordações alegres.
A incondicionalidade do meu amor está conseguindo, aos poucos, manter a minha insanidade "dominada”.
Escrevi semana passada esta carta, mas como preciso que você me dê algumas respostas - que tenho certeza, de alguma forma virá - só resolvi postá-la agora!
Minha Flor de Maracujá: sei que vibra intensamente por todos nós!
A você: o meu eterno amor e a certeza de nosso reencontro!
Beijos Mimi!
CHRISTINA ANTUNES FREITAS